A escravidão é um símbolo nacional, negar a sua validade histórica como destaque do surgimento da nacionalidade e negar as milícias militares de Henrique Dias, Felipe Camarão e André Vidal Negreiros, a escravidão tinha que ser avaliada historicamente. Ela surgiu por necessidade histórica e desapareceria quando se tornasse desnecessária, assim como o feudalismo surgiu e desapareceu. Os países que naquele momento a condenaram mantiveram a servidão durante séculos e implantaram a escravidão em suas colônias. A escravidão não foi instituída por lei e não desaparecerá por uma lei. O Brasil estava caminhando no sentido da abolição, e não cabia ao governo intervir. Sua extinção devia dar-se por via indireta, promovida pela nação, não pelo governo, sobretudo quando este agia despoticamente sob a pressão ilegítima do Poder Moderador.
O político cearense deduziu em suas cartas que a escravidão caducava, mas não estava morta; ainda se prendem a ela graves interesses de um povo. Entretanto, não estava alheio à problemática que era a instituição servil, considerava que a escravidão se apresentava sob um aspecto repugnante. Manifestou que o fato do domínio do homem sobre o homem revolta a dignidade da criatura racional, pois se sente ela rebaixada com a humilhação de seu semelhante. O cativeiro não pesa unicamente sobre certo número de indivíduos, mas sobre a humanidade, pois uma porção dela acha-se reduzida ao estado de coisa.
Sob uma perspectiva histórica, Alencar entendia a figura do escravo como elemento civilizacional, pois na história do progresso representa a escravidão o primeiro impulso do homem para a vida coletiva, o elo primitivo da comunhão entre os povos. O cativeiro foi o embrião da sociedade; embrião da família no direito civil; embrião do estado no direito público.
E que a raça branca, embora reduzisse o africano à condição de uma mercadoria, nobilitou-o não só pelo contato, como pela transfusão do homem civilizado. Concluindo que se resolve a escravidão pela absorção de uma raça por outra. Cada movimento coesivo das forças contrárias é um passo mais para o nivelamento das castas, e um impulso em bem da emancipação.
Em um panorama sobre as abolições ocorridas nas grandes potências da época, mais precisamente Inglaterra e França, Alencar também fez comentários em suas cartas destinadas ao Imperador.
Segundo o escritor, a abolição das colônias inglesas em 1833, se realizou com abalo, mas sem grandes catástrofes. Ao atrito do frio caráter saxônio a população negra se tinha limado. O homem do norte é originalmente industrioso; sua mesma pessoa representa uma indústria, uma elaboração constante das forças humanas contra as causas naturais de destruição. Ele disputa a vida ao clima, e a nutrição ao gelo. Esse cunho vigoroso da materialidade o colono inglês imprimira na sua escravatura. O negro não era já mero instrumento em sua mão; porém um operário ao qual só faltava o estímulo do lucro. Quando se realizou a emancipação, os escravos, se não estavam completamente educados para a liberdade, possuíam pelo menos os rudimentos industriais que deviam mais tarde desenvolver-se com o trabalho independente. A essa madureza deve-se o estado próspero da população negra depois da abolição.
E afirma que a passagem do trabalho escravo para o trabalho livre se efetuou com a divisão das terras e a vigilância da autoridade.
E afirma que a passagem do trabalho escravo para o trabalho livre se efetuou com a divisão das terras e a vigilância da autoridade.
Já a abolição nas colônias francesas em 1848, o cenário era diferente. Os franceses eram um povo artístico; a indústria, que, para o inglês começa com a infância do progresso, para o francês, representa a virilidade. O francês aspira sobretudo ao belo e ao ideal, e, por tanto, não poderia polir com rapidez a rude crosta do africano, este permanecia um instrumento bruto na sua mão.
E por isso, chegou à conclusão de que a emancipação nas colônias francesas, além da desordem econômica e das insurreições, acarretou a desgraça e ruína da população negra. Ainda não educada para a liberdade, entregou-se à indolência, à miséria e à rapina. Pois se aboliu inclusive o trabalho, já que faltavam às colônias francesas os braços que demanda a agricultura.
Neste sentido, Alencar temia que pudesse ocorrer revoltas ou guerras civis em solo brasileiro, a exemplo do que ocorreu na França e Inglaterra. Para o autor estas nações:
“[...] não emancipariam a população negra de suas colônias se não se achassem nas condições de proteger eficazmente ali a raça branca. A força moral da metrópole e seu poder militar eram suficientes para prevenir e sufocar a insurreição. Figure-se qual fora depois da abolição o destino da Jamaica ou da Martinica abandonada por suas respectivas nações!”
E complementa mencionando o caso dos Estados Unidos, que mesmo tendo abolido a escravidão no sul da confederação, decretado por violenta guerra civil, ainda não se deveria considerar consumado, pois a miséria e a anarquia começavam a desdobrar-se naquele país.
Havia temor que, pelo fato das províncias brasileiras que abrigavam grandes fazendas e engenhos, e por tanto, quantidades expressivas de cativos, uma abolição abrupta pudesse causar insurreição, uma guerra social. Então Alencar faz uma provocação ao Imperador:
“Julgais que seja uma glória para vosso reinado, senhor, lançar o império sobre um vulcão? Ainda quando a Providência, que tem velado sobre os destinos de nossa pátria, a tirasse incólume de semelhante voragem, nem por isso fora menos grave a culpa dos promotores da grande calamidade.”
Na correspondência dirigida ao Imperador, Alencar também não poupou críticas aos abolicionistas europeus, aos quais ela chamava de filantropos. Em sua visão foram os europeus os grandes fomentadores da escravidão e a eles se devem as consequências da instituição servil. Aponta hipocrisia dos países que condenam a escravidão, mas não abrem mão dos produtos dela derivados:
“O filantropo europeu, entre a fumaça do bom tabaco de Havana e da taça do excelente café do Brasil, se enleva em suas utopias humanitárias e arroja contra estes países uma aluvião de injúrias pelo ato de manterem o trabalho servil. Mas por que não repele o moralista com asco estes frutos do braço africano?"
Em sua teoria, a bebida aromática, a especiaria, o açúcar e o delicioso tabaco são o sangue e a medula do escravo. Não obstante, ele os saboreia. Sua filantropia não suporta esse pequeno sacrifício de um gozo requintado; e, contudo, exige dos países produtores que, em homenagem à utopia, arruínem sua indústria e ameacem a sociedade de uma sublevação.
Neles desculpa-se. É fácil e cômoda a filantropia que se fabrica em gabinete elegante, longe dos acontecimentos e fora do alcance da catástrofe por ventura suscitada pela imprudente reforma.
Mas não se compreende, senhor, que brasileiros acompanhem a propaganda; e estejam brandindo o facho em torno da mina.”
Na visão de Alencar a instituição servil no Brasil, tinha um caráter diferente da praticada pelos europeus e americanos, e mesmo que ainda fosse legalizada, estava condenada ao final pelos costumes da sociedade civil, e o africano cativo seria naturalmente assimilado. A classe proprietária já tinha consciência de que o elemento servil deveria chegar ao fim, pelo espírito de tolerância e generosidade, próprios do caráter brasileiro, e que desde muito transformava sensivelmente a instituição cativa. E argumenta:
“Pode-se afirmar que não temos já a verdadeira escravidão, porém um simples usufruto da liberdade, ou talvez uma locação de serviços contratados implicitamente entre o senhor e o Estado como tutor do incapaz.”
O autor levanta pontos importantes como direito a propriedade, pecúlio, matrimônio e família, todos garantidos aos cativos não por lei, mas sim por costumes.
Acreditava que quando o nível da população livre sobre a escrava se elevasse consideravelmente, de modo que esta ficasse submersa naquela, a escravidão se extinguiria logicamente. Ela entraria naquela fase de luxo e aversão. Entretanto, ainda era um elemento essencial do trabalho neste vasto país.
Além da assimilação do africano de forma natural, um fator seria essencial a fim de que o país rumasse à gradual redução da escravidão, a imigração. Só a imigração seria capaz de restabelecer o temperamento da população e lhe restituir a robustez. Diferentemente da colonização, que era tão nociva quanto a escravidão.
Acreditava que se a Europa enviasse ao Brasil um subsídio anual de sessenta mil emigrantes, número muito inferior à imigração americana, a escravidão teria cessado neste país.
Esta era sugestão ao Imperador, que se estabelecesse a propaganda da imigração e a escravidão cairia sem arrastar à miséria e à anarquia uma nação jovem.
Alencar termina sua série de cartas destinadas ao Imperador em 26 de julho 1867, nesta última epístola, o político é contundente ao concluir pela extinção gradual da escravidão. Afere que a única transição possível entre a escravidão e a liberdade é aquela que se opera nos costumes e na índole da sociedade. Esta produz efeitos salutares: adoça o cativeiro; vai lentamente transformando-o em mera servidão, até que chega a uma espécie de orfandade. E complementa dizendo que o cativo, se for libertado, permanecerá em companhia do senhor; e se tornará em criado. Já o cativo liberto por lei será inimigo nato do antigo dono; fugitivo ou revoltoso. O ódio da raça, que se havia de extinguir naturalmente com a escravidão, assanha-se ao contrário daí em diante. Tal será a sua ferocidade que uma casta se veja forçada pelo instinto da conservação a exterminar a outra.
Portanto, o que o distinguia dos meios propostos pelo Partido Liberal não era um ímpeto escravocrata, antes a aversão a uma “política que tende a precipitar esta revolução social [a Abolição]”. Cumpria então que “revolução se operasse gradualmente”, evitando “consequências funestas”.
Em outro discurso, José de Alencar salientou nunca ter pretendido:
“[...] que o Partido Conservador fosse escravagista, que o Partido Conservador aceitasse a instituição da escravidão como uma instituição firmada no direito, na moral que deva ser mantida e respeitada. Não, Senhores, o nobre Presidente do Conselho acaba de o dizer: ‘Raros serão os brasileiros’ – e eu acrescentarei: esses mesmos, cegos pelo interesse ou pelo erro –, raros serão os brasileiros que aceitem a instituição da escravidão como uma instituição legítima (Muitos apoiados).”
Entretanto, não somente através de discursos José de Alencar construiu sua defesa à abolição gradual. Em 1870, o parlamentar apresentou na sessão do dia 7 de Julho, o projeto de nº 121, no qual propunha meios de facilitar as condições do escravizado, e, por meios indiretos, como a possibilidade do pecúlio, abolir o elemento servil. O projeto do ex-ministro da Justiça — cargo que exerceu entre 1868 e 1869, no gabinete Itaboraí —, com oito artigos, propunha a liberdade imediata dos escravos da fazenda pública, a formação de pecúlio pelo escravo e a maior taxa sobre escravos[45]; estes dispositivos propostos por José de Alencar, nesta ocasião, apesar de não terem aprovação, serviram como base para alguns artigos da lei de 1871, na qual foram melhor discutidos e desenvolvidos.
Surpreendeu a negativa do autor de Mãe e de O Demônio Familiar perante a ideia do Ventre Livre, assunto debatido com fervor no Parlamento e combatido por Alencar. Contudo, seu posicionamento, embora inesperado, calcava sob uma convicção sincera e profunda. Para Alencar a Lei Ventre Livre seria ferramenta de reforma para uma instituição que deveria desaparecer; além de iníqua, por apenas beneficiar as gerações futuras, encerrava a ideia funesta, que produziria “calamidades capazes de apavorar o próprio governo”.
Nesta frase dita em meio a um discurso, está o pensamento de Alencar: “A instituição da escravatura, [por ser uma] instituição condenada pela moral, uma instituição caduca, não pode ser modificada: será extinta um dia, não pode ser alterada.
A partir destas convicções, José de Alencar previa críticas, mas delas não se esquivou: “nem a odiosidade que possam elas [críticas] excitar, nem o receio de incorrer em pecha de escravocrata”. E acrescentou:
“Há 15 anos, quando as vozes que hoje se levantam com tanta sofreguidão emudeciam, e ocupavam-se dos assuntos de política local, eu me esforçava no campo que se abria então a minha atividade na literatura e na imprensa a banir essa instituição.”
Sua postura elogiada por Machado de Assis, porque era “um protesto contra a instituição do cativeiro”.
Para “banir essa instituição” como ministro, em 1869, José de Alencar acabou “com todas as vendas de escravos debaixo de pregão e em exposição pública” e o “leilões comerciais de escravos”, sob pena de multa, por meio de Decreto.
Contudo, certo de convir ao País uma abolição gradativa, e havendo apresentado medidas capazes de ajudar a libertação dos escravos, Alencar não vacilou no combate, segundo ele, à emancipação precipitada.
