"O sol, o químico eterno
Que todos nós veneramos
Faz da terra que habitamos,
Um grande laboratório
Para a vida eternizar:
Mas basta que a lua esponte
E os círio de ouro estelares
Acenda nos seus altares,
Onde começa a rezar,
Para que logo transforme
O céu, num zimbório enorme,
O espaço num templo augusto
E a Terra num grande altar"

"Há um cansaço que não é apenas do corpo, mas da alma. Um esgotamento que não vem de se dar demais, mas de não saber mais por que dar. É neste solo árido, fertilizado pelo mito da autonomia absoluta, que floresce a decisão silenciosa de não gerar vida. Reduzir esta escolha a uma planilha de custos é não ouvir a música de fundo de uma civilização: a melodia sutil e insistente que diz que o EU é a medida de todas as coisas, e que qualquer exigência que vá além dele é um desvio intolerável do projeto supremo da autorrealização.
A criança, nesta equação, tornou-se o último tabu. Não porque seja indesejada, mas porque é a mais visceral e irrefutável contradição do culto ao indivíduo. Ela é a prova viva de que somos canais, não ilhas. Sua chegada destrói a estátua do EU autônomo, e o cansaço que se segue não é o esgotamento de um recurso, mas a fadiga sagrada da transformação, o desgaste do vaso que precisa se quebrar para que a água transborde.
Mas o feitiço moderno nos ensinou a ler este cansaço como perda. Aplanou o horizonte de significado até que nada restasse além do bem-estar individual, do conforto mensurável, da experiência otimizada. Sem um porquê que transcenda o umbigo, o sacrifício inevitável da parentalidade parece um contrato ruinoso. E é mesmo. Porque a parentalidade não é um projeto de consumo, é um projeto de contribuição.
Não se come, serve-se à mesa, ao outro.
A regeneração não virá de tentar tornar a parentalidade mais barata ou menos cansativa. Virá de uma redescoberta do transcendental que habita no coração do ato de criar. A criança não é um apêndice do projeto de vida dos pais; é a ponte viva que eles constroem para um futuro que não lhes pertencerá. É o ato supremo de fé: acreditar que a vida vale a pena ser vivida e que a consciência deve continuar sua jornada, mesmo sem a nossa presença para testemunhá-la.
Ter um filho é, neste sentido, a mais radical afirmação de significado contra o niilismo silencioso que impregna nossa época. É recusar-se a aceitar que o universo é um lugar estéril e afirmar, com o corpo e a alma, que a canção da existência merece ser cantada por mais uma voz. É entender que a verdadeira herança não é um nome ou uma conta bancária, mas o próprio fluxo da vida, do qual nos tornamos guardiões por um instante, antes de passarmos o cajado adiante.
O cansaço dos pais, portanto, não é o preço a pagar por ter filhos. É a assinatura de uma participação consciente no grande drama cósmico. É a fadiga de quem entendeu que a única forma de vencer a morte não é vivendo para sempre, mas tornando-se o vento que sopra a semente adiante. E que, no fim, ser canal é mais profundo do que ser fonte.
O filho é a encarnação da esperança de que vale a pena se dissolver, porque a vida que criamos em conjunto é sempre maior do que a que poderíamos viver sozinhos."
Ana Zorro